Embora nos últimos tempos comece a ser posta em causa a tese de um presidente da República telecomandado por uma poderosa ala maconde na Frelimo, o presidente do Conselho Municipal de Nampula, pelo Movimento Democrático de Moçambique (MDM) entende que, efectivamente, há grupos na Frelimo que bloqueiam a governação de Filipe Nyusi.
Muhamudo Amurane, que analisava, no nosso jornal, os primeiros dois anos da governação de Filipe Nyusi, começou por dizer que só a sua eleição para presidente da República foi um acto importante, porquanto marcou a passagem inter-geracional na liderança do país.
Foi quando questionamo-lo se essa mudança se está ou não a reflectir na governação do país, ao que Muhamudo Amurane, sem rodeios, respondeu que não.
Mas o edil de Nampula diz que não está decepcionado com Filipe Nyusi, o presidente que a 15 de Janeiro de 2015 proferiu um discurso de renascimento. O problema, entende o edil, não reside, necessariamente, em Filipe Nyusi, mas para aqueles que chamou de grupos fortes na Frelimo que não aceitam as mudanças que, estamos a citar Amurane, Nyusi parece querer empreender.
O presidente da cidade capital da província mais populosa de Moçambique recua ao passado para lembrar que, em Fevereiro de 2015, logo após a sua investidura, Filipe Nyusi manteve um encontro com o presidente da Renamo, Afonso Dhlakama, num esforço pela paz que não agradou alguns sectores da Frelimo.
Outro sinal de um Filipe Nyusi que quer avançar mas que encontra entraves é a abertura do presidente perante o Fundo Monetário Internacional (FMI), na recente visita em Washington, Estados Unidos da América (EUA) para a realização de uma auditoria internacional independente às dívidas escondidas no país, anota o edil.
Por isso, Amurane insta a sociedade a se levantar contra a minoria frelimista que procura sobrepor os seus interesses aos da maioria dos moçambicanos.
“A expectativa do povo é frustrada por grupos menores que defendem seus interesses em detrimento da maioria”, assinala, acrescentando que é preciso isolar aqueles que bloqueiam o Presidente da República.
Sublinha que um futuro melhor para o país passa, necessariamente, por isolar os grupos na Frelimo que não aceitam a mudança, uma tarefa que, por ser espinhosa, não pode ser apenas de Filipe Nyusi, mas de toda a sociedade moçambicana que contra essas forças se deve levantar de forma vigorosa. Entretanto, ganha corpo nos últimos tempos a tese de que, na verdade, Filipe Nyusi não é ingénuo como se pretende fazer passar, nem vítima de supostos poderes interpostos na Frelimo. Argumenta-se que o actual presidente está, efectivamente, alinhado com uma estratégia de mão dura sobretudo no que à guerra diz respeito, sendo os seus discursos apenas uma decoração própria da acção política.
A encruzilhada económica em que o país está mergulhado foi incontornável na entrevista com o edil de Nampula. Sobre ela, Amurane evita fazer juízos, por entender que a democracia não é especulação, mas desafia a administração da justiça para que esclareça o que sucedeu com os cerca de USD2 mil milhões, dos quais USD 1.4 mil milhões ocultados.
Sobre a tensão político-militar, reitera não encontrar argumentos para as matanças e destruição que continuam a minar o desenvolvimento do país. Chamado a apontar a solução, foi peremptório em afirmar que o país clama por uma descentralização político-administrativa, incluindo a eleição de governadores provinciais, pelo que é preciso que se discuta a Constituição da República.
“Há resistência por parte dos dois beligerantes, mas é preciso pressionarmos para que haja abertura para discutir ideias e não pessoas”, remata.
“O que tem de melhor Manuel de Araújo?”
Nos últimos anos, Manuel de Araújo, quadro do MDM e presidente do Conselho Municipal de Quelimane, na Zambézia, tem insistido, na imprensa, que gostaria de ver um MDM mais democrático do que é hoje. Nas vésperas do início da presente legislatura chegou a questionar, publicamente, a indicação do actual chefe da bancada parlamentar daquela formação política, na Assembleia da República, porquanto Lutero Simango, irmão mais velho de Daviz Simango, não saiu do círculo eleitoral que mais deputados colocou no parlamento, que é a Zambézia.
Confrontado com a questão, Amurane disse que não concorda. Para o edil de Nampula, no MDM há democracia e espaço para todos. Respeita essa colocação de Manuel de Araújo, mas diz que são águas passadas.
A exclusão, nas recentes eleições internas no MDM, de Manuel de Araújo para a Comissão Política do partido, foi vista como o ponto mais alto de uma suposta rivalidade entre Daviz Simango e o jovem edil de Quelimane.
Sobre o assunto, Amurane, uma das novas entradas para a Comissão Política do MDM, escusa-se a comentar, alegadamente, porque desconhece o processo. Até porque ele próprio disse ter ficado surpreendido com a sua nomeação.
Aqui, perguntamo-lo se achava razoável que, nesta fase da sua história, o MDM se desse ao luxo de desperdiçar um membro com capital político como é Manuel de Araújo, o que prontamente, desdramatizou.
“O que tem de melhor Manuel de Araújo em relação aos outros membros do MDM”, questionou, considerando o edil de Quelimane como um membro normal como outros no partido.
Numa altura em que o MDM em Nampula acaba de registar uma nova deserção de membros que formaram o Movimento Alternativo de Moçambique (MAMO), depois de uma outra vaga de deserções nas vésperas das eleições gerais de 2014, todos eles a alegarem, essencialmente, nepotismo e tribalismo no partido liderado pelo engenheiro Daviz Simango, o edil de Nampula fala de oportunistas. Sobre os desertores que, em 2014, queixavam-se da “importação”, da Beira, de amigos e familiares do presidente do partido para lugares cimeiros nas candidaturas do MDM a deputados, Amurane diz que tribalistas são aqueles que achavam que, com a vitória do MDM em Nampula, tinha chegado a sua vez. Diz que não houve colocação massiva de quadros do MDM de fora de Nampula.
Sobre os recentes dissidentes que formaram o MAMO, diz que são indivíduos de conduta duvidosa que, quando se apercebeu do seu oportunismo no município, tratou de expulsá-los. Diz que o MDM de hoje não é o mesmo de há dois anos e meio, quando aderiu e, no actual partido, vê um crescimento enorme e um futuro risonho.
“Apresentamos alternativa, sem atirar balas”
Muhamudo Amurane falou ainda do nível de execução do seu mandato, dois anos depois da tomada de posse. Faz um balanço positivo. Destaca a área de saneamento, mas também de infra-estruturas como aquelas que apostou nestes primeiros dois anos. Fala de vias de acesso construídas, mercados e meios de aquisição de lixo. Um caminho que não foi fácil: “logo em 2014 encontramos não só uma série de dívidas enormes, mas também uma série de problemas, falta de meios e uma cultura praticamente corrupta no relacionamento do município com os operadores económicos”. Diz que, quando chegou à edilidade, todos os meios a nível da recolha de resíduos sólidos eram alugados.
“Não compreendemos como era possível uma cidade tão grande não tivesse um mínimo de meios para a recolha de resíduos sólidos. E encontrámos dívidas enormes de processos de aluguer de viaturas sem, contudo, ter um suporte que justificasse esses serviços de aluguer, uma vez que a cidade estava abarrotada de lixo”, acrescenta.
Foi por isso que se definiu como prioridade a recolha de resíduos sólidos, prossegue o edil segundo o qual em 90 dias foi possível trazer boa imagem a Nampula, com aquisição paulatina de meios de recolha de lixo, mas também através da criação de grupos de associados em diversos cantos da cidade para a limpeza.
Diz que a sua grande decepção está na descentralização dos serviços de saúde e de educação. Lamenta os argumentos do ministério da Administração Estatal que insiste que Nampula, à semelhança de outros municípios nas mãos da oposição e não só, não tem capacidade para gerir serviços básicos, da mesma forma que deplora, por exemplo, que as receitas das multinacionais que operam na província sejam todos canalizados para Maputo, devido à centralização.
Recuou a 2014 para dizer que, no primeiro ano do seu mandato, não foi fácil a convivência política com os restantes órgãos do Estado em Nampula, incluindo os centrais, mas diz que a partir de 2015, com o novo governo, o cenário mudou para a melhoria. Fala de abertura e uma convivência cada vez menos conflituosa.
A dado passo, comenta sobre a causa do MDM, aproveitando deixar recados à governação frelimista que dura 41 anos.
“Os moçambicanos almejam ver melhoradas as condições das suas vidas, principalmente, no processo de governação. Quando me candidatei tinha consciência de que ia enfrentar uma série de desafios, mas não foi e não é por ter esses desafios que nos colocamos numa situação, nem de defensiva, nem de ofensiva, antes pelo contrário, encararmos esses processos como normais em prol do desenvolvimento das vidas moçambicanas”, diz, lembrando que depois da independência os moçambicanos foram habituados a um discurso de que era necessário libertarem-se de opressão colonial e dominação estrangeira. “Fomos alimentados de que já era oportunidade de nos sentirmos livres e conduzirmos os nossos destinos, mas esses processos ao longo do tempo foram sempre frustrados, nomeadamente, as expectativas do povo. Sentimos que havia falta de liberdades e que tudo era ditado por um grupo menor, sem olhar os anseios das comunidades que, ao longo do tempo, foram se manifestando de várias formas e nós optamos por esta oportunidade democrática, avançando com um projecto político e sem precisarmos de machucar ninguém, muito menos atirar balas, mas sim apresentando alternativa viável do processo municipal, mas também a nível nacional e aí abraçámos este projecto político do MDM e conseguimos conquistar poder sem recorremos à violência” assinala, lamentando: “só que os nossos adversários nunca perceberam esta metodologia porque provavelmente não tenham a cultura de conviver democraticamente e ir avançando na solução dos problemas através de processos democráticos”.
Savana