Enquanto mediadores e mandatários de Afonso Dhlakama e Filipe Nyusi consensualizavam os oito pontos (legislação+governadores) do pacote de descentralização a estar pronto antes do final de Novembro, o líder da Renamo dava, na tarde de terça-feira, (16) um “briefing” ao SAVANA sobre os últimos desenvolvimentos no diálogo político que a Renamo mantém com o Governo em Maputo, mostrando-se disponível para a abertura de um “corredor desmilitarizado” para permitir a movimentação de mediadores para a Serra da Gorongosa. Na conversa com o jornal, Afonso Dhlakama não fugiu em comentar o ataque às viaturas da TVM e RM em Chiuala/ Honde, distrito de Báruè, que é atribuído aos guerrilheiros da Renamo e tornado num na arma de arremesso toscamente manipulada pela propaganda governamental. Afonso Dhlakama falou do pacote legislativo acor- dado quarta-feira e propõe que a revisão pontual da Constituição da República tenha prioridade para que a tomada de poder nas seis províncias onde reivindica o direito de governar “seja feita já”. Eis a entrevista editada.
Acha realista a proposta de o pa- cote da descentralização ir à AR até Novembro deste ano?
Até porque Novembro é longe. Se houver boa vontade, pode ser até finais de Setembro. Este assunto de governação das seis provín- cias não é de hoje. O pacote tem muitas leis. Mas há aquilo que se pode dar prioridade até o final de Setembro entrar na Assembleia da República. Eu acredito que se houver boa vontade por parte do governo tudo pode acontecer. Isto não é uma proposta unila- teral da Renamo. É um assunto acordado na mesa de negociações e também joga com aquilo que o governo está a fazer sobre des- centralização da administração do Estado. Mas provisoriamente pode-se ir discutindo e aprovar na Assembleia da República a revisão pontual da Constituição para acomodar a governação das seis províncias e a lei das finanças provinciais para que de facto tudo funcione e seja feito ainda dentro deste ano.
Se a Renamo se sente minimamente confortável com o pacote de descentralização porque insiste com poderes absolutos para os governadores que poderá indicar para as várias províncias como parte do pacote da descentralização?
Sim. Nós concordamos com a proposta do pacote de descentralização que deve ser submetida à assembleia. Mas a questão da governação da Renamo nas seis províncias tem de ter prioridade. Não pretendemos entregar nomes para a Frelimo nomear. Não é isso. A governação será feita na base das políticas da Renamo. Isto é uma espécie de autarquia provincial com autonomia. Portanto, como isto mexe com a Constituição é preciso uma emenda constitucional.
Um dos debates na Comissão Mista é que o ponto que tem a ver com a indicação de governadores devia ser discutido entre o Presidente Dhlakama e o Presidente Nyusi. Insiste na posição de que não vai entregar nomes para serem nomeados como governadores, caso o solicitem?
Tem de haver uma emenda constitucional que diz que as províncias passam a ser governadas pelo partido vencedor. Se eu der uma lista ao Nyusi parece que estou oferecer os quadros da Renamo para trabalharem com políticas da Frelimo. Não é por aí.
Mas qualquer mexida na legislação rege para frente. Acha mesmo que as províncias, depois da emenda constitucional, serão entregues à Renamo na base dos resultados eleitorais de 2014?
Se houver boa vontade tudo é possível. Todo o mundo sabe que Nyusi não ganhou eleições, mas está a governar. Nós não estamos a criar problemas de maior, por- que não queremos problemas. Se ele (Filipe Nyusi) está a governar sem ter ganho, porque é que ele não pode fechar os olhos e aceitar que o partido que ganhou governe aquelas províncias? Não é preciso levar nomes entregar a Nyusi para nomear. Os governa- dores são nomeados no âmbito da própria governação da Renamo. Podemos entender que como Presidente da República pode dar posse. Mas os governadores vão e devem trabalhar com as políticas da Renamo. Os actuais governadores terão que sair e os poderes político administrativos entregues aos governadores nomeados pela Renamo. É isto que queremos. Não estamos a exigir coisas do outro mundo.
Ataques a jornalistas
Se houver uma proposta para que se crie um cargo de vice-presidente, no quadro da nor- malização democrática no país, aceitaria esse cargo?
Não! Não, porque eu não posso trabalhar com o partido Frelimo. Já estive no partido Frelimo quando era jovem, há muito tempo, antes de entrar na Renamo. O partido Frelimo foi o partido comunista marxista, desgraçou o nosso país, hoje é socialista entre aspas, mas continuam a ser marxistas. Portanto, não posso porque, seria aquilo que aconteceu com meu amigo (Morgan) Tsvangirai, que acabou por desaparecer. Nós queremos governar com as nos- sas próprias políticas. Queremos demonstrar uma boa governação. Queremos criar diferença. Por- tanto, queremos demonstrar essas políticas. Ser vice-presidente da República significaria ser mais um Frelimo.
A Renamo foi responsável pelos disparos contra as viaturas da RM e TVM?
Não. A Renamo podia ser responsável se tivéssemos invadido os gabinetes da Rádio Moçambique e disparar contra os jornalistas ou no gabinete da Televisão de Moçambique ou se tivéssemos recebido uma carta do governo a dizer que na zona X vai passar um carro da TVM ou da RM e nós corrêssemos para lá e atacar as viaturas deliberadamente. Não somos responsáveis. Todo mundo sabe que naquela zona de Catandica, Rio Púnguè, Inchope, é uma zona de confrontação e há colunas militares. Portanto, se um carro com jornalistas passou por lá no meio de colunas militares, lamento bastante. Mas a Renamo não fez nenhuma operação contra jornalistas. Não é nossa responsabilidade. É como alguém que se mete numa coluna militar e apanha tiro. Não temos culpa nesse aspecto. Quem é culpado é aquele que entrou na coluna militar a saber que está a entrar numa zona
100% de risco. Não há nenhuma responsabilidade. Portanto, pode ser propaganda do regime a querer sujar a imagem da Renamo. Vocês como jornalistas sabem que quem lutou pela liberdade de imprensa e de expressão é o próprio Dhlakama e a Renamo. Não temos nada contra os jornalistas da Rádio Moçambique ou da TVM. Mas se de facto aconteceu lamento bastante. É preciso esclarecer que nesse episódio morreram quatro membros da FIR que faziam parte da escolta que ia a Macossa para a visita do Presidente da República, mas a RM não fez menção disso, apenas fez propaganda. Fala apenas de jornalistas que ficaram feridos ligeiramente durante as confrontações militares na coluna. Eu acho que é uma pena esse tipo de manipulação.
Na pressão que faz para desmultiplicar as forças governamentais faz sentido atacar hospitais?
Ninguém organiza um grupo para ir a um distrito e deixar de atacar o adversário e atacar hospitais. A Renamo ataca postos militares. Foi o que, por exemplo, aconteceu em Morrumbala, e ninguém fala disso. Destacam apenas o facto da Renamo ter levado al- guns medicamentos para atender os seus homens. Eu quero deixar claro que ninguém ataca um posto administrativo com o objectivo principal de roubar medicamentos. As pessoas deviam dizer que há confrontações entre as forças da Renamo e militares do Governo. Só que a Renamo aproveitou para levar alguns medicamentos e não fazerem propaganda, como se a Renamo tivesse atacado com o objectivo de visar hospitais. Isso nós não fazemos. É propaganda da Frelimo.
Já reparou que os ataques a hospitais e jornalistas desviam a atenção do país para assuntos maiores como por exemplo a dívida escondida que todos os moçambicanos querem ver es- clarecida?
De facto. Lembro-me que na região sul, durante a guerra dos 16 anos, as forças do Governo atacavam comboios na zona de Pessene (distrito de Moamba), roubavam os produtos dos mineiros e colocavam fotografias e panfletos da Renamo para dar a entender à opinião pública que a Renamo é terrorista. Há pouco tempo houve um carro das Finanças aqui em Inhaminga, que foi atacado e as pessoas que sobreviveram disseram que foram forças da PRM que fizeram tudo aquilo, mas a Rádio Moçambique estava a noticiar como se fossem os homens da Renamo. É propaganda. Eles fazem sempre isso para
sujar a imagem da Renamo e Dhlakama. Dizer que a Renamo é um grupo de bandidos. A Frelimo sempre viveu de propaganda, mas nos tempos que correm ninguém acredita
nela. O objectivo é desviar a atenção das pessoas para coisas mais concretas como por
exemplo as chamadas dívidas escondidas e a crise financeira que o país está a viver
criada, sobretudo, pelo regime da Frelimo.
Achegada dos mediadores paraas conversações foi uma vitória para a Renamo. Não pensa em
declarar uma trégua unilateral no conflito?
Sim. Aliás, hoje (terça-feira) vi no Magazine Independente que Dhlakama está a pedir socorro a (Filipe) Nyusi. Queria esclarecer que tenho falado com os mediadores ao telefone.
Eles têm-se encontrado com o Presidente da República e eles gostariam também de se encontrarem comigo. Colocaram-me a possibilidade de uma trégua. Disse que estava
Disponível desde que o Governo aceitasse retirar as suas tropas à volta da Serra da Gorongosa para uma zona a acordar. Nós temos receio que, no quadro dessa propaganda, possam disparar contra os mediadores para mais tarde dizerem que a Renamo matou europeus, sul-africanos e tanzanianos, etc. Sim, tenho dito isso sempre, que podemos dar uma trégua, como demonstração de boa-fé. Fui eu que insisti na mediação internacional desde Outubro do ano passado e o Governo não queria saber. É importante compreender que Dhlakama não é um comandante qualquer, nem um líder qualquer. Não se resume apenas à Renamo. É um líder para os interesses do país.
Corredor desmilitarizado
A ideia de um corredor desmilitarizado para possibilitar o trabalho dos mediadores é uma boa proposta?
Claramente. Eles (mediadores) têm-se encontrado com o Presidente da República e os mediadores do lado do governo. Têm falado comigo ao telefone, mas isso não é suficiente. Acho que é uma boa proposta. Já houve na guerra dos 16 anos. Com zimbabueanos, que operavam no corredor da Beira e outros estrangeiros e funcionou plenamente. Só que as pessoas de má-fé não podem entender a proposta de um corredor como se fosse o Dhlakama a pedir o cessar-fogo, porque está encurralado. Não é verdade. A ideia não é minha. Veio dos mediadores para facilitar que eles venham para aqui para a Gorongosa.
Quem é que pensa que deve monitorar esse corredor?
É fácil. Havendo essa boa vontade, podem-se nomear uns três comandantes da Renamo e outros três do Governo e um independente.
Pensa que através do corredor desmilitarizado se pode chegar ao estabelecimento de uma trégua no conflito enquanto durarem as negociações?
São duas coisas diferentes. Corredor é para facilitar as movimentações dos mediadores para uma conversa directa e não através do telefone. Facilita os processos e as coisas andam bem melhor.
Acha que os mediadores podem dar alguma garantia para a sua segurança nos contactos com o presidente Filipe Nyusi ou quando sair da Gorongosa?
Não são os mediadores que devem garantir a segurança de Dhlakama. É a Renamo e a Frelimo. A segurança de Dhlakama é feita pela Renamo. Nós (Renamo) estamos preocupados com a segurança dos mediadores. A Frelimo pode assassinar e imputar à Renamo. As coisas têm de estar claras. Por exemplo, o Governo queria que houvesse a cessação das hostilidades em todo o país e nós dissemos que não. Porque se nós cessarmos antes de chegar a um acordo sobre o que nos leva ao conflito estaríamos a brincar com o povo de Moçambique. É melhor que trabalhemos de boa-fé e cessarmos de vez, do Rovuma ao Maputo. Mesmo em 92, quando estávamos a negociar em Roma, cessámos de uma vez por todas.
Surtiu efeito a sua táctica de fazer ataques no Niassa e Inhambane para aliviar a pressão sobre a Gorongosa?
É uma estratégia militar. Até porque estamos a evitar muito, podíamos estar a atacar aí em Maputo. Veja que todas a tropas de Moçambique, incluindo grupos de elite, estão concentradas à volta da Serra da Gorongosa. Então, militarmente eles vêm cá porque não têm trabalho noutras províncias. Embora o Niassa não seja uma província estratégica, mas se nós atacarmos uma esquadra lá ou em Matutuíne (província de Maputo), acreditamos que poelite, estão concentradas à volta da Serra da Gorongosa. Então, militarmente eles vêm cá porque não têm trabalho noutras províncias. Embora o Niassa não seja uma província estratégica, mas se nós atacarmos uma esquadra lá ou em Matutuíne (província de Maputo), acreditamos que podem diminuir a sua presença cá. Isso não foi inventado por Dhlakama. É dos livros. Estuda-se nas academias. Mas uma coisa tem de ficar clara. Não pretendemos o alastramento da guerra como as pessoas podem interpretar.
Continuam os bombardeamentos sobre a Gorongosa?
Fazem às vezes. Dispararam esporadicamente canhões sobre a serra. Não tem efeitos de quase nada. Isso assusta a população. Podem matar alguns elementos da população. Há muita gente que vive aqui nas cercanias de Gorongosa. Não são disparos diários. É uma rotina para eles.
As FDS não estão muito próximas de onde o Presidente da Renamo está?
Não posso dizer sim ou não. Estaria a dar indicações. Eu conheço onde eles estão. Conheço geograficamente bem esta zona. Aliás, o próprio Presidente Nyusi, quando há três semanas falámos sobre a possibilidade de darmos tréguas e criarmos corredor, ele pediu a lista da localização das forças governamentais, porque as conheço onde estão. Elaborei a lista e mandei para o gabinete dele (Presidente Nyusi) e também mandamos para a mediação. Só que, mais tarde, começaram a fazer propaganda a dizer que aquelas posições não são das forças governamentais, mas da Renamo. Isso mostra que às vezes eles fazem coisas não de boa fé. Nós estamos aqui na Gorongosa e estamos a defender-nos. Não estamos em guerra. Estamos a nos auto defender das perseguições. A guerra foi aquela dos 16 anos.
Em poucas palavras, a Renamo e o seu presidente estão preparados para a paz.
Claramente que estamos. Por isso que insisti muito na mediação internacional. Era para darmos um sinal de que não queríamos negociações que mais tarde nos levariam a um conflito. Se eu não quisesse, desde 1994 altura em estou a ser roubado, não custava nada aplicar uma outra estratégia e tornar o país ingovernável. Mas sempre pude manter e conservar a minha promessa de democracia. Sou um homem de paz. Se eu disparo é uma questão de autodefesa como um ser humano.
E agora que o governo se recusa a abandonar as posições já conquistadas aí na Gorongosa qual é a saída?
Vamos continuar a falar. Já disse isso aos mediadores. O afastamento das posições das forças governamentais e a criação de um corredor não pode ser interpretado como se a Renamo estivesse a passar mal. Queríamos demonstrar boa fé. Não tem nada a ver com aquilo que está escrito no jornal Magazine (edição desta terça-feira). Se eles querem assim, vamos continuar. Mas seria bonito que, quer o Governo, quer a Renamo, como também os mediadores, dessem a entender que é possível o calar das armas. O Dhlakama nunca quis prolongar com a guerra. Aliás, a guerra desde que acabou em 1992 até hoje, se eu quisesse ceder a pressão dos comandantes da Renamo e aqueles que votam em mim, para nos revoltarmos, já teríamos feito isso antes. Até agora nos limitámos a nos proteger. Nós queremos a paz. Quero garantir a todos os cidadãos, aos intelectuais, aos jornalistas, que a paz pode voltar a reinar em Moçambique. Moçambique é um país jovem, tem boas terras para a agricultura. Mas o país precisa de uma boa democracia, boa governação, eleições sem fraude, com os partidos políticos a trabalharem à vontade e a Frelimo acabar com os esquadrões da morte. Neste momento, desde Fevereiro, as pessoas das províncias do centro e norte estão a viver no mato. São pessoas que vêm daí de Maputo e coreanos que estão a assassinar pessoas aqui e falam de unidade nacional. Que tipo de unidade nacional é esta? Não queremos a guerra. Queremos começar por governar as seis províncias para demonstrar boa governação, para que as pessoas sintam que estão a ser governadas por pessoas que votaram nelas. A fonte de todos os problemas é que a Frelimo não aceita a democracia.
Savana